Sílvia Schmidt

CHEGARÁS


Tu não podes amar quem nunca viste.
Ouves de longe a voz do coração
Que chama o teu, tremendo de emoção,
Quando te encontras mais vazio e triste?

Tu não podes amar quem nunca ouviste
Ao pé do ouvido a repetir refrão
De amor que invade como um vil ladrão
Todo segredo que num'alma existe.

É meu desejo que te chama agora,
E espero, sim, que venhas sem demora
Para acolher meu coração sofrido.

Vais encontrar-me trêmula esperando
Por teu abraço cálido entregando
O que só em sonhos inda foi vivido.

J. G. de Araújo Jorge

A Companhia


Do amor não quero mais a aventura,
quero a companhia.

Já não procuro ilusões e surpresas
se todos os caminhos foram percorridos,
se oblíquo sol da tarde alonga a minha sombra
presa ainda a meus pés, a fugir, para onde?

Quero a compreensão, a tranqüila ternura,
a presença melhor depois que amada,
a que sabe ser luz clareando a estrada,
ser aragem na fronte ardente a inquieta;

- alta maré para encobrir escolhos,
ser água para a sede que atormenta,
sombra, quando a luz doer nos olhos.

A que inteira se dá sem pedir nada
só pela humilde alegria de se dar!

A que é pousada para o amor que vinha
já cansado de tudo e que não tinha
onde ficar.

A que tem mãos felinas, mãos que arranham
infladas de amor,
sem a gente sentir,
mãos que enlaçam, depois, cantam ternuras,
e que emberçam as nossas amarguras
e nos fazem dormir...

A que é mulher, - mar alto, porto e abrigo -
a que fica à nossa espera,
a que se pode voltar a qualquer hora...
A que sabe perdoar nossos pecados
nossos marinheiros desejos desgarrados
e não nos mandam embora...

Do amor não quero mais a aventura
quero a companhia:
a que depois do beijo
me dará a mão,
a que será minha - à noite se entregará
sem pejo -
e impoluída e pura,
continuará comigo, com a mesma ternura
no coração...

Quero a doce, a permanente companhia ...

A que depois da noite
é o meu dia,
e, com o braço em meu braço
há de acertar seu passo
na mesma direção...

do livro Os mais belos sonetos que o amor inspirou IV

Pablo Neruda

Soneto LXVI

Não te quero senão porque te quero
e de querer-te a não querer-te chego
e de esperar-te quando não te espero
passa meu coração do frio ao fogo.

Te quero só porque a ti te quero,
te odeio sem fim, e odiando-te rogo,
e a medida de meu amor viageiro
é não ver-te e amar-te como um cego.

Talvez consumirá a luz de janeiro
seu raio cruel, meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego.

Nesta história só eu morro
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero, amor a sangue e fogo.

Cem sonetos de amor- Pablo Neruda/ pág. 77.

Clarice Pacheco

Uma cidade diferente

Era uma cidade
meio diferente,
ficava escuro ou claro
assim, de repente.

As casas andavam pelas ruas
enquanto que as pessoas não,
as casas trabalhavam
e as pessoas viviam plantadas no chão.

As frutas eram verdes,
as árvores eram coloridas,
das frutas estragadas nasciam
as árvores mais bonitas.

O Sol aparecia à noite
iluminando as ruas,
de dia o que iluminava
era a luz da Lua.

Os carros passavam voando
sempre muito apressados,
porque se fossem devagar
é que eram multados.

Os aviões navegavam
atravessando os sete mares,
os navios sobrevoavam
cortando à tona os ares.
Em Caderno de poesias-Clarice Pacheco. pág. 33.